sábado, 25 de dezembro de 2010

Sobre idas.

Eu lembro de você indo embora e lembro dos meus gritos, te pedindo desesperadamente que não fosse. Mentira. É uma mentira tudo. Você não foi embora, querido, mas eu queria que você tivesse ido. Algo só vai embora, depois que vem. E você não veio. Mas se viesse, iria. Iria porque não aguentaria a minha voz doce, muito menos o meu silêncio. E eu te amaria muito, mas ainda assim, faria questão de não provar isso. Você iria embora porque eu teria medo, quando resolvesse mostrar as pinturas que fez. E eu choraria a cada briga nossa, choraria a cada olhar mudo que você me desse. Você iria embora, eu sei, eu sei. Olhe só, eu poderia ficar acordada, enquanto você fizesse o trabalho que trouxe pra casa e te faria café forte, admite, eu sei que você gosta disso. Aliás, eu sei muito sobre você. Você ainda lembra que eu te amo, não é? Por que é que você não veio, mesmo? Ah, sim, eu lembro, você disse que não me queria, justamente pra não me perder. Eu te entendo - não queria, mas entendo.
Ainda tá ai? Eu já te cansei, está vendo? Falar o que nós seríamos, se fôssemos nós é tão chato. Por isso que nunca te falei. Eu não sinto falta do seu pé junto ao meu, mas eu queria, e queria saber como é acordar com seu rosto amarrotado e o cinzeiro sujo no pé da cama, mas você não foi embora.  Não me deixou rouca, não me deixou louca, não me deixou sem comer.
Não ter nunca é pior que não ter pra sempre.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Estava farta do pó que sobrava dos castelos de areia destruídos; do lixo inorgânico, dos sonhos dilacerados, dos corações remendados. Ela cansara de tentar limpar estantes com molduras quebradas e reciclar o refrão. Queria uma mobília nova, queria sonhos inventados, sons ao piano, sinfonias pré compostas. Queria a roupa limpa, os dedos leves, o sorriso sem amargura.
Ela desejava construir uma escada e chegar ao topo, porque tudo o que havia conseguido até então era tentar se equilibrar em degraus já feitos. E caia. Sempre lhe faltou o equilíbrio, a leveza. Ou a tinha demais... Os ventos sempre a arrastavam.
Sempre me pareceu que ela queria muito além do que o mundo poderia oferecer, muito além do aceitável, muito além das previsões alheias. Não importava. Estava cansada, mas não iria parar. Mandou tudo pra puta que o pariu, recolocou a mochila nas costas e seguiu adiante. Mãos suadas e dentes à mostra.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Acordou, acendeu as luzes. Ligou o computador - naquele dia não queria abrir o velho caderno rabiscado.
Sentou-se, esperou o cansaço matinal passar e tentou escrever. Frustrou-se por não conseguir transmitir pra aquela tela em branco o que se sucedia. Talvez não quisesse mesmo conseguir. Não tinha orgulho algum em falar sobre falsidade, mas esta estava tão presente em seu convívio que era inevitável que não fosse relatada.
O coração estava calmo, sabia que não conhecia muito sobre o assunto. Ficou feliz por ter menos um motivo com o qual se preocupar. Levantou-se, trouxe chá. Achava que se tomasse sempre não ficasse louca tão cedo. Porque enlouquecer naquele mundo de pessoas que correm contra o tempo e desafiam a verdade não era novidade. Tomou um gole e sentiu todo seu corpo relaxar. Era automático.
Começou a escrever. Escrever, pra ela, nunca tinha sido uma opção. Escrever era terapia, tortura, descanso. Queria escrever sobre temas cotidianos, falar da dor alheia, mas não tinha jeito. Quem tem dor suficiente pra tentar desenhar em palavras nunca fala da dor próxima. Tentou falar sobre o amor, apagou. Todo o seu velho tema já tinha sido escrito. Escrito em folhas com linhas perfeitas. E ela não gostava de linhas perfeitas. Era convicta de que essas linhas paralelas tinham que ser um pouco imperfeitas pra se cruzarem, e por isso, ficava esperando. Aguardava a imperfeição que se toca em algum ponto, mas por esses tempos, estava conseguindo aguardar sem ansiedade. Era o chá. Então ela pensou no tema inicial, pelo qual tinha resolvido começar a escrever. Falsidade? Pensou, pensou; pensou mais. Preferiu não escrever. A vivacidade de suas palavras eram demais pra a mortalha que a falsidade veste. Levantou-se, desligou o computador. Recolheu a xícara. Abriu o velho caderno rasurado e não precisou pegar mais chá. Corações tortos e frases cantadas poderiam ser desenhados facilmente naquelas páginas familiares.