sábado, 10 de março de 2012

Nem armas, nem poemas.

Talvez sejam duas da manhã. Eu não tenho tempo pra nada. Ocupei as horas ficando parada olhando para o espelho. Três braços e nenhum nariz. Que coisa triste não sentir cheiros. Gosto tanto dos papéis antigos. A única coisa que sinto fazer com eles é espirrar. Cinco horas seguidas abraçando o mundo e nada de ninguém pegar minha mão, dizer "ei, pode parar de abraçar tanta gente e me abraçar agora?" e verificar se penteei o cabelo. Tem dois cachos aqui do lado, tá vendo? O pente quebrou o dente do meio e eles ficaram esquecidos aí. Você gosta? Faça mais dois do outro lado. Eu não tô entendendo o que é isso aqui perto da orelha mas tô olhando. Você está vendo? Eu não queria abraçar o mundo, eu queria te abraçar. Ontem até te vi perto do espelho, mas daí acordei. Dei aquele sorriso de lado que você dava. O carinha que faz computação também. Ele perguntou o meu nome. Eu não perguntei o dele porque o único nome que eu queria sendo anunciado naquela biblioteca gigante era o seu. Ele pegou minha mão, indicou livros, cursos. Quem o deixou fazer isso? Ele é só mais um babaca tentando passar por inteligente. Cansei disso tudo. Cansei dos meus braços. Ainda mais porque eles não podem pegar uma droga de telefone e discar seu número. Tão idiota essa coisa de limites. Tão idiota essa coisa de se precaver, de se frear. Meu colo tá vazio. Minhas mãos também. Mas tem tanta coisa nesse peito, nesses meus olhos, nessa minha falta de olfato. O vidro de perfume que eu guardei com umas gotas de seu cheiro comprado secou. E eu nem ousei usá-lo. Tanto cuidado pra não deixar as gotas evaporarem... Luminosidade adequada, clima propício e nada adiantou? Foi assim que acabou o que você um dia sentiu? Você deixou pra lá e quando menos esperava já não existia? Porque se foi, infelizmente me certificarei de que eram somente gotas. Um vidro inteiro não secaria. Não secaria, um vidro inteiro não secaria, tô repetindo pra mim, quase em voz alta, quase pro vizinho da terceira quadra que ouve os carinhas do Hawaii me ouvir. Ei, não seca, né? Abaixa isso aí. Engenheiros hoje não. Hoje não. Porque, ei, "eu abri meu coração como se fosse um motor e na hora de voltar sobravam peças pelo chão.". Talvez eu não tenha ido à luta, seu vizinho. E nem pago pra ver. Mas, me diz aí: o que te faz querer ouvir? Senta aqui, me conta. Os caras de lá da festa não prestam atenção nos detalhes. Os que prestam insistem em comentar pra eu ver que perceberam. E eu acabo escondendo todos os detalhes pra não faltar quando alguém de verdade voltar a acompanhá-los. Pode dizer que é bobo. Sensata, eu? Não, vizinho. É só pra não perder tempo mesmo. É só pra continuar inteira. É só pro motor continuar funcionando. Não, eu não quero um CD, eu quero mais um travesseiro. Embora já tenham uns cinco na cama. No meio da noite jogo todos no chão e estico as pernas. De manhã choro porque não tem nada por perto pra abraçar. Não sou interessante. Você que é igual a todos os outros. Pode ir agora, vai ouvir seu som de novo. Só que baixo dessa vez. Não adianta jogar a dor ao vento que ele não ouve. O vento ouve os pássaros. E só.