domingo, 26 de setembro de 2010

Sobre cafés, chás e chocolates quentes.


– Mais um chá, por favor. – pediu.
O velho caderno rabiscado, uma caneta preta e chá. Era tudo o que precisava para conseguir ficar serena, achava. Clara estava de novo sentada naquela mesa mais afastada das demais, para observar. Observar o cotidiano das pessoas. Observar a porta de vidro cada vez que se abria e quem por ela passava. Tantas tentativas de se despregar de seu mundo fosco, todas frustradas. Mas naquele dia algo lhe chamou a atenção. Dois jovens entraram, abraçados, rindo controlados. Sentaram-se próximo ao balcão e fizeram seus pedidos. Ele, um café caprichado, especialidade da casa; ela, um chocolate quente. Enquanto esperavam, conversavam, riam mais, mexiam nos guardanapos, riam novamente. Seria algo contagiante se Clara estivesse com o espírito alegre. Não estava, mas continuou a examinar aquele quadro colorido à sua frente.
Entre tantos sorrisos, mal se podia perceber o olhar deles. Mas o jeito como o garoto tocava os cabelos de sua acompanhante e acariciava-lhe a face rosada depois de tê-la deixado emburrada, era um tanto intrigante. Parecia que ele fazia aquilo só para depois tocá-la, desculpando-se. Ela, por sua vez, fechava os olhos, como se aquele toque a tirasse de seu lugar, como se a levasse para mais perto dele. Era como se estivesse esperando por aquele breve momento fingido de raiva durante todo encontro.
Até que ela abriu os olhos e virou-se para o balcão. Segundos depois seus pedidos chegaram e eles degustaram seus café e chocolate, procurando pelo sabor que não conseguiam sentir, em suas bocas secas. Evitaram se olhar durante algum tempo e depois recomeçaram a conversar, a sorrir de novo.
Clara ficou confusa, por um momento, ao perceber que o tempo de silencio não tinha sido por timidez ou constrangimento, mas era algo necessário, por algum motivo. Algo que provavelmente já havia acontecido outras vezes e ficou pensando no quanto a jovem garota já havia lutado, resistido. Porque se agora ela conseguia, com alguma força de vontade, abrir os olhos e impedir que a sua alma viajasse para mais perto da dele, não deveria ter sido sempre assim. Teve certeza disso quando voltou sua atenção para eles e viu que a cena se repetia. Os sorrisos, os guardanapos, as brincadeiras, as caricias e o silêncio, quebrado por palavras mais calmas.
Acertaram a conta, levantaram-se e caminharam em direção à porta de vidro. Não saíram como entraram, abraçados, somente andaram juntos, lado a lado. Rindo, com um pouco de desconforto nos olhares e nas mãos vazias.
Ao ver aquilo, Clara percebeu que o mundo era desconcertante para todos. Para os mais jovens, para os mais velhos, para ela. O mundo sem respostas, sem explicações, sem porquês. O mundo estimulante, desestimulante. O mundo que causava dor sem anestesia, que doía sem doer, que acostumava. Mundo de pequenas doses e grandes ressacas. Pequeno grande mundo. Observá-lo em busca de razoes plausíveis era maçante demais. Acendeu um cigarro, levantou a mão:
– Mais um chá, por favor. – pediu.

Um comentário:

  1. Olá, ah obrigada :)
    gostei bastante daqui também. com certeza entra pra minha lista!

    beijo ;*

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